sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Descostume

      Ilustração de Fernanda Guedes


Hoje, flagrei-me no descostume. Caí numa rede tecida pelo tempo desapressado, no desacostumar de suas labiosas verdades invertidas, que assopravam em meus ouvidos como afagos poéticos e florificado. Acho-me, agora, no descostume do lugar que a música que eu ouvia me levava na sua ausência. Sentada no chão, com as costas descansadas na parede do corredor. Olhos fechados e pensamentos 
transmutados em navegantes. Navengado em um mar de um mundo que eu criei, de cor vermelho vibrante. Um mundo de dois. Onde tudo era dois. Um para mim e outro pra você. Neste mundo meu, foi concebido, apenas, o direito de ser um ao sol e a lua. E eu senti. Peguei-me, no descostume dos seus olhos falantes, dos seus beijos matinais, ou de uma tarde dessas qualquer. Agora, aqui, me ponho a acostumar-me a essa boa nova que é o descostume de você. Hoje, o mundo é de um. De um copo, uma cadeira, uma escova e uma certeza. E foi concebido o direito de ser mais de um para as pessoas. Nele vem uma, vem duas, vem dez. Até um novo acostumar-se. 

Leila Oliveira

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A outra visão



Talvez, você que esteja agora lendo esse texto, tenha sentido isso que até hoje compartilhei com pouquíssimas pessoas, algo que eu sentia mas nem sabia que existia até um nome pra isso, um não, vários: desdobramento, projeção astral ou viagem astral. Já ouviu falar?
Venho sendo tomada por essa sensação desde criança, de ter, algumas vezes, até medo de dormir para não sentir. É o seguinte, você está dormindo e de repente você acorda e tenta se mover, abrir os olhos ou gritar, mas não consegue. Você ouve um zumbido constante e um formigamento no corpo, uma sensação horrível, como se algo tivesse te prendendo. Isso ainda não é nada. Por duas vezes até hoje, acreditem ou não, eu me vi dormindo, e se alguém me dissesse isso eu custaria a  acreditar se não tivesse, de fato, vivido essa experiência. Todas as duas foram depois dos 20 anos. Na primeira vez, eu estava sozinha em casa, eu dividia com um amigo e neste dia ele havia viajado e eu dormi sozinha, e pra não me senti tão só eu coloquei um colchão na sala e fiquei assistindo, acabando por adormencer, e quando dei por mim, eu estava inacreditavelmente flutuando no teto, vendo o meu corpo estendido no colchão, de bruços com uma das pernas levemente flexionada como de costume, e a minha camisola azul, estava deixando o meu corpo à mostra. Quando vi, tomei um choque e de imediato abri meus olhos, com medo de me mover, pensei: meu Deus, o que foi isso? Eu quero ver como está minhas costas... virei levemente a minha cabeça para o lado e vi o que eu não queria acreditar, minha perna estava flexionada e a camisola havia subido como eu havia visto. Imediatente, acodrei e comecei a ligar pra algumas amigas, pedindo pra irem dormir lá. Fiquei muito assustada. Aquilo não saia da minha cabeça. Estaria eu tendo alucinações? Sonhando? Mas era muito real...
Na segunda vez, eu estava no meu quarto, e de repente eu estava novamente flutuando, foi muito rápido, assim que me vi, fiquei assustada e acordei. Estava dormindo até de uma forma engraçada, que só meus íntimos amigos sabem. Com medo, não consegui dormir mais, corri pro quarto do meu amigo e disse a ele que havia acontecido de novo, ele dizia que eu estava tenho pesadelos e nada mais, e que eu evitasse assistir coisas que viesse a me impressionar.
Fora o medo, o que é normal, temermos o desconhecido, era uma sensação engraçada, na verdade indescritível. As sensações de antes, de tentar se mover, gritar e não conseguir que tenho desde criança, não atiçou tanto a minha curiosidade quanto essa de me ver domirndo, e fui atrás. Comecei a perguntar a alguns amigos, se eles já se sentiram assim, e um deles me disse que sim, e que isso se chamava projeção astral. Fiquei surpresa e aliviada, pelo menos não estava louca, ou se fosse loucura, que eu não seria a única a viajar na maionese, ou melhor, no astral.
Assim que soube disso, corri pro computador e iniciei minhas pesquisas. Joguei este nome no nosso querido de sempre, o Google, e fiquei "besta" com a quantidade de inforamações que existia na rede sobre isso, e eu não era a única, eu era uma das milhares e milhares de pessoas que provaram dessa experiência. Descobri que existiam outros nomes e que existe um monte de gente doidinhos pra ter uma única experiência dessa e ainda pagam e frequentam cursos para atingir o desdobramento(até me achei..rs). Porque, segundo as pilhas de coisas que li, algumas estimula, outras, como eu, ocorre de forma espontânea.
No caso, o que eu sentia desde criança era apenas o início do processo da projeção astral, e eu percebendo aquilo, impedia que ele fosse concluído tentando me mover. Mas, descobri se eu sentir isso e deixar que a sensação continue eu posso ter um desdobramento consciente e não só poder me ver, como sair andando por aí. Vi em milhares de relatos, pessoas que visitam parentes distante, andam pelas ruas, rodam pela casa. Relatos impressionante, difícil de acreditar. As sensações e os relatos são parecidos, ou até mesmo idênticos com o que vivi até agora. Parece que fique deslumbrada com essa descoberta, não é? Fiquei sim, mas com receio também. E o curioso que isso acontece com pessoas do mundo todo e de todas as crenças. Depois que começei a pesquisar, nunca mais aconteceu, e eu até prefiro assim, não que eu não goste, mas dá medo.
Vou citar aqui um trecho, que achei que tem tudo a ver com o que eu relatei aqui,  do livro Trabalhadores do mar, do escritor Victor Hugo, onde ele fala  do desdobramento de  uma forma poética:

O sono está em contato com o possível, que também chamamos o inverossímel. O mundo noturno é um mundo. A noite é um universo. O organismo material humano, sobre o qual pesa uma coluna atmosférica de 15 léguas de altura, chega a noite fatigado, cai de fraqueza, deita-se, repousa; fecham-se os olhos da carne; então, naquela cabeça adormecida, menos inerte do que se crê, abrem-se outros olhos, aparece o desconhecido. As coisas sombrias do mundo ignorado tornam-se vizinhas do homem ou porque haja verdadeira comunicação, ou porque as distâncias do abismo tenham crescimento visionário; parece que as criaturas invisíveis do espaço vem contemplar-nos curiosas a respeito da criatura da terra; uma criação fantasma sobe ou desce para nós, no meio de um crepúsculo; ante a nossa contemplação espectral, a vida que não é a nossa agrega-se e dissolve-se, composta de nós mesmos e de um elemento estranho; e aquele que dorme, nem completo vidente, nem completo inconsciente, entrevê as animalidades estranhas, as vegetações extraordinárias, as cores lívidas... todo esse mistério a que chamamos sonho e que não é mais do que a aproximação de uma realidade invisível. O sonho é o aquário da noite.

Eu acredito. Acredito não porque ouvi falar, acredito porque vivenciei, senti. A não ser que eu duvide de mim. E nem tenho a pretensão de convencer a ninguém de acreditar, a minha intenção é somente compartilhar. Cada um acredita no que quiser e no que lhe convir. Deixando claro, que eu não frequento igreja nenhuma, não participo de seitas, ou qualquer organização religiosa. Eu apenas acredito em Deus, na sua grandeza e no poder do seu amor sem titubear.  Acredito também, independentemente de qualquer religião, na existência do espírito, em vida depois dessa aqui. O universo guarda coisas que, talvez, nunca descobriremos.

Será a verdade da carne incontestável? É só isso e pronto, carne e pó, pó e carne? Eu penso que não, que a vida vai muito mais além do que possamos supor.

Leila Oliveira

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Do que fica



Enquanto a tua voz dança em meu ouvido, meus olhos dão-se as mãos e passeiam pelo teu corpo. Minha boca se confunde em teu aroma e minha língua te morde a orelha. Molho-te com beijos e seco-te com a língua. Minhas pernas faz da tua, entre elas, prisioneira. Num rítimo casado e acompanhado do descompassado compasso dos corações, como orquestra de baterias. Fazendo florescer flores fluorescentes nas pupilas que saltitam. Depois, de olhos fechados, pra ver que cor tem sentir-se assim arrepiada e levitante, dando beliscos na alma e mordendo vento. Pra no final, acender um cigarro e guardar a fumaça no bolso como lembrança do que não se pode mais ter, somente imaginar. O impossível, faz de morada a imaginação.

Leila Oliveira

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Compensa


Não vire a mesa. Quanto menos falar, menos saberão sobre você. Falar demais é como ficar nú diante de alguém, se preserve. Respire fundo e continue. A verdade que sabe leve com você, saber da verdade já te coloca no lucro. Não grite, não ironize. Silencie. Deixe o ar com o cheiro inquietante da dúvida. Agradeça pelo esclarecimento mentalmente, no máximo dê um sorriso e continue andando. O silêncio pra quem sabe usar na hora certa é coisa muito chique, e é pra poucos. Engolir o grito na véspera da boca é difícil, mas acredite, é compensador. 

Leila Oliveira

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Panorama



A minha cama às vezes é palco, outrora picadeiro e tem dias que vira poleiro. É carnaval e culto. É bossa, é dance, é samba. Entre garotas de Ipanema, tuntz tuntz e Zecas vou indo. Entre cabelos, penas e confetes eu vou dormindo. E há dias que a minha cama é apenas uma cama.

Leila Oliveira