quinta-feira, 5 de julho de 2012

Passante


Ali surgiu um vagabundo jogado no mundo. Era mais zé ninguém do que ninguém. Por muitos tratado com desdém, mas das mulheres ele ouvia: me espera lá, que hoje tem. Querido dos cachorros e dos velhos da praça. Batia os quatro cantos da pequena cidade, perambulava cantarolando. De dormida misteriosa e despertada duvidosa, não entregava seu coração e nem mostrava sua direção. Caminhando torto, sempre de lado. Cabelo arrumado e cangote perfumado, cantava viúvas e mocinhas, cantava música e falava poesia. Não tinha trabalho, nem horário. Pouco aprendeu com o professor Raimundo, o que ele sabia aprendeu com o mundo. Aprendeu a degustar cachaça e a enrolar fumo, aprendeu a rolar dado e a escorregar baralho. Malandro e enrolado, quase sempre ganhava. Falava bonito, metido a conquistador e atrevido. Mal não passava. Conseguia beber onde devia e comia sempre o que gostava e nada gastava. Menina-moça-curada, aparece grávida. Quem foi que comeu? Viúvas, mal casadas, moças inocentes e rapazes. Nos cantos dos becos, no mato ou na estrada. Certa noite ele sumiu, dizem até que virou passarinho. A cidade ficou mais triste, a noite ficou saudosa e as moças lamentavam a sua falta. Era apenas um passante.

Leila Oliveira

domingo, 1 de julho de 2012


Pé lá, pé cá


É uma meia verdade, uma expectativa inteira e o risco do nada que vem. Mas a gente tenta, a gente aposta e a gente corre. Corre o risco, corre a mão, corre a boca, corre do querer e corre pra abraçar. Morrendo de sede e bebendo água em conta gotas. Se descabela e tem cautela.  A gente esconde, a gente mostra. Mostra o corpo, esconde a alma. Esconde a intenção de um coração. A gente levanta risos e voos, arriscamos passos largos e apertados. Vai e volta, fica ou vai embora. A gente espera. Espera que o bom aconteça, espera na porta. A gente só não espera nada. A gente joga, joga tudo pro alto, a gente joga beijo, joga tudo fora ou joga numa gaveta toda aquela vontade (in)contida. A gente se joga. A gente vai. Vai tentando, vai querendo, vai se afastando, vai chegando. Chegando perto pra quem chega de longe. A gente só não espera que nada aconteça. E eu, eu quero que aconteça, meia coisa ou ela toda. Basta apenas que você queira, que me queira e se queira. Vamos querer, meu bem. Vamos arriscar, arriscar e ver se vai dá. Dá bom, dá bem, dá mal. Mas tem que dá. Dá pé, dá fé, dá beijo, dá tu, dá eu, dá nós. Parará, caixinha de fósforo, et cetera. 

Leila Oliveira