sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Descostume

      Ilustração de Fernanda Guedes


Hoje, flagrei-me no descostume. Caí numa rede tecida pelo tempo desapressado, no desacostumar de suas labiosas verdades invertidas, que assopravam em meus ouvidos como afagos poéticos e florificado. Acho-me, agora, no descostume do lugar que a música que eu ouvia me levava na sua ausência. Sentada no chão, com as costas descansadas na parede do corredor. Olhos fechados e pensamentos 
transmutados em navegantes. Navengado em um mar de um mundo que eu criei, de cor vermelho vibrante. Um mundo de dois. Onde tudo era dois. Um para mim e outro pra você. Neste mundo meu, foi concebido, apenas, o direito de ser um ao sol e a lua. E eu senti. Peguei-me, no descostume dos seus olhos falantes, dos seus beijos matinais, ou de uma tarde dessas qualquer. Agora, aqui, me ponho a acostumar-me a essa boa nova que é o descostume de você. Hoje, o mundo é de um. De um copo, uma cadeira, uma escova e uma certeza. E foi concebido o direito de ser mais de um para as pessoas. Nele vem uma, vem duas, vem dez. Até um novo acostumar-se. 

Leila Oliveira

Nenhum comentário:

Postar um comentário